Você também é um fora da lei?

Lawrence (Larry) Lessig, defensor da redução das restrições sobre os direitos autorais, estará no Brasil nos dias 23 e 24 para o Fórum HSM de Negocição

“Estou em posição extremamente privilegiada por ter enorme liberdade para falar sobre o que acredito e devo usar esse privilégio para fazer algo útil para nossa sociedade”, afirma Lawrence (Larry) Lessig. Defensor da redução das restrições sobre os direitos autorais, marcas registradas e espectro de frequência de rádio, o professor das faculdades de direito de Harvard e Stanford será um dos palestrantes do Fórum HSM Negociação 3.0, que será realizado nos dias 23 e 24 de agosto, em São Paulo. Sua apresentação recebeu um título provocador: “Quem é o dono de sua marca?”.

“A quem pertence o quê” e o que é, de fato, criação, são algumas das intrigantes perguntas que a Era Digital nos coloca. Em seu livro Free Culture: how big media uses technology and the Law to lock down culture and control creativity, Lessig chama a atenção para o fato de que a tecnologia digital confere aos indivíduos muito mais poder para criar em cima de criações já existentes. “Poder” sim, em termos de recursos e capacidade, mas “direito” quase sempre não. Simplesmente, porque a lei, em tese, protege os autores e proíbe o uso de suas obras. Na prática, porém, os usuários geralmente não se atêm às restrições.

Durante palestra ministrada ao TED, Lessig, que é economista, administrador de empresas, mestre em filosofia e doutor em direito, destacou que, com a democratização da técnica, praticamente qualquer pessoa pode combinar sons e imagens da cultura e usá-los para passar sua própria mensagem. Então, cada uso produz uma cópia que exigiria permissão. Como a permissão não é solicitada nem concedida, o internauta que combina conteúdos é um invasor.

Ele analisou o comportamento das crianças e dos jovens na atualidade e fez um chamado à realidade: “Temos que reconhecer que eles são diferentes de nós. Nós assistíamos à TV, eles fazem TV. A tecnologia os tornou diferentes”. Para Lessig, as ferramentas de criatividade se tornaram ferramentas de discurso. “É a alfabetização dessa geração. É assim que nossas crianças falam. É como nossas crianças pensam; é o que nossas crianças são, conforme mais compreendem as tecnologias digitais e seus relacionamentos entre si”.

Se essa é uma realidade inescapável, se não podemos tornar os jovens passivos como eram as gerações anteriores, também não podemos torná-los piratas: “As pessoas comuns vivem hoje fora da lei, e é isso que nós estamos fazendo com nossos filhos. Eles vivem sabendo que estão contra as leis, o que é uma percepção extremamente corrosiva. Em uma democracia, nós temos de ser capazes de ser melhores do que isso”, reflete Lessig. É por esse motivo que defende um modelo no qual alguns direitos são reservados, outros são liberados ao público.

Creative Commons

O final do século 20 assistiu ao início do questionamento à frase (ou à ideia) “Todos os direitos reservados”. Hoje, quem não é a favor dela não necessariamente é a favor da pirataria ou contra os direitos autorais, pois há um terreno intermediário no qual nem todos os direitos têm de ser reservados. Trata-se do Creative Commons, sistema de licenciamento pelo qual o autor da obra determina se ela pode, por exemplo, ser reproduzida apenas com a menção da autoria, se pode ser usada para produção de uma obra derivada ou se pode ser utilizada em fins comerciais.

Presente em cerca de 80 países e reunindo 350 milhões de objetos na web, o Creative Commons vem fazendo sucesso, por exemplo, no Oriente Médio. Em entrevista concedida à Wipo Magazine, Lessig, um dos fundadores da Creative Commons, contou que Egito, Jordância, Líbano, Qatar e Emirados Árabes já processam licenças Creative Commons. “É muito interessante que, nesses países, elas encorajam o respeito aos direitos autorais”. A razão para isso, segundo o entrevistado, é a moderação, isto é, o equilíbrio entre restrições e permissões. “É uma maneira de construir respeito pelos direitos autorais.”

A rede de televisão Al Jazeera, do Qatar, liberou, no ano passado, um grande volume de material em vídeo sob a licença de atribuição (cuja única exigência é dar os créditos ao criador). O benefício comercial é da Al Jazeera, pois sua marca é difundida. No Brasil, por meio de uma licença Creative Commons, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo permite, desde o dia 7 de junho, que o material didático por ela produzido possa ser utilizado por outros municípios, desde que não seja para fins comerciais.

Lessig ressalta que alguns negócios não poderiam existir, não fosse a licença moderada da Creative Commons. É o caso dos sites de remixagem de músicas. Se as músicas não fossem licenciadas pela Creative Commons, o negócio seria ilegal.

Em relação aos caminhos futuros, ele explica que há duas vias: ou tornamos mais rigorosa a guerra para manter a estrutura atual em torno da propriedade intelectual, o que ensejará mais rejeição aos direitos autorais por parte do público, ou pensamos em uma arquitetura mais sensata para a era digital, que assegure que os incentivos sejam mantidos, ao mesmo tempo em que a liberdade é garantida. “Se o regime de direitos autorais focar as pessoas a quem deve ajudar, que são os artistas e criadores, e construir um sistema que lhes dê liberdade de escolha, de proteção e de recompensa por sua criatividade, então teremos o foco certo”, explica.

Para o acadêmico e ativista político, em uma sociedade livre, as pessoas precisam ser capazes de intuir por que as leis existem, e a lei de direitos autorais não faz sentido para a maioria.

Crédito foto: Flickr

Referências:

FOLHA ONLINE. “Material didático da Prefeitura de SP será baixado de graça”. 06 jun. 2011. Disponível online em: . Acesso em 20 jul. 2011.

LESSIG, Lawrence. Free Culture: how big media uses technology and the Law to lock down culture and control creativity. Nova York: The Penguin Press, 2004.

TED TALKS. “Larry Lessig on laws that choke creativity”. Vídeo disponível online em . Acesso em 20 jul. 2011.

WIPO MAGAZINE. “Interview with Lawrence Lessig”. Fev. 2011. Disponível online em: . Acesso em 21 jul. 2011.

Por Alexandra Delfino de Sousa, administradora de empresas e diretora da Palavra-Mestra

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